Adaptação na creche canadense: uma montanha russa de descobertas

A vida com criança pequena é uma rotina de demandas incessantes: troca fralda, dá mamadeira, lava roupa, tá com fome, sujou tudo e uma repetição sincronizada sem fim. Até que um dia termina a sua licença maternidade, obrigatória ou não. Comigo não foi diferente. Esse dia chegou e lá fui eu desvendar o mundo das creches canadenses.

Só quando notei que o meu filho, já com um ano e nove meses, estava relativamente adaptado, interagindo com os amiguinhos do parque e balbuciando as primeiras palavras em inglês que resolvi procurar uma creche que aqui chamamos de “daycare”. Um alento dentro da rotina pesada de 24 horas de trabalho ininterrupto.

Essa não seria uma missão fácil. Boa parte dos pais e mães passam pela mesma novela: projetamos um sofrimento antecipado, achando que a criança vai se sentir abandonada e traída, sem ao menos saber como ela irá reagir ao processo de afastamento. Mas sobrevivemos.

Como funciona no Canadá

Comecei minha busca perguntando aos vizinhos, olhando sites e procurando os estabelecimentos mais próximos de casa. Distância é um fator importante a considerar quando se mora num país que neva. Se houver uma tempestade pesada, dependendo da província, as creches encerram o expediente antes da hora. Isso já me aconteceu mais de uma vez nesses quatro anos de imigrante.

O Canadá é um país subdividido em dez províncias e três territórios. Só posso comentar com mais detalhes sobre as duas províncias que já morei: Ontário e New Brunswick. Cada local tem suas particularidades. Mas em geral você tem as seguintes opções de escolha:

  • Daycare/preeschool ou child care: são as creches tradicionais, que podem ser instituições privadas ou organizações sem fins lucrativos, ligadas a empresas, universidades etc. Todas os profissionais que atuam nessas entidades precisam ter obrigatoriamente formação profissional adquirida através de um curso técnico de dois anos.
  • Home Daycare ou Family daycare: É um daycare dentro de uma casa particular. Os canadenses gostam muito, acham que a criança se sente mais acolhida no ambiente familiar do que numa “escolinha” propriamente dita. É como deixar o seu filho na casa da babá, sendo que ela terá outras crianças por lá para brincar. Até onde sei, a pessoa responsável não precisa ter formação na área e pode cuidar de até cinco crianças ao mesmo tempo.

Cada uma das duas opções tem seus prós e contras, mas optei pelo formato mais fácil e seguro. No meu caso, não vi muita vantagem no home daycare, além, é claro, de ser mais barato. Os poucos lugares que visitei não me convenceram. Sempre achei que uma maior interação social desde o início faria muito bem para o meu filho. Além disso, acredito que a supervisão de mais pessoas minimiza possíveis acidentes ou qualquer mal entendido.

A maioria aceita crianças a partir dos dois a três meses de idade. O horário de ambos também é bem flexível, entre 7h30 e 18h.

Em Ontario as crianças podem ficar até os três anos na creche e aos quatro já ingressam no maternal ou junior kindergarten. Em New Brunswick (NB), minha atual província, os pequenos permanecem até os quatro anos na creche e só aos cinco iniciam a vida escolar.

Algumas instituições também oferecem o “after school”, com atividades para os maiores que já estão no ensino fundamental (elementary school) após o término da escola. É a opção mais utilizada pelos pais que trabalham em horário integral.

Aqui na costa leste as creches são bilíngues (Inglês/francês) e os pais podem optar pela língua em que a criança será alfabetizada, embora ela também aprenderá obrigatoriamente o segundo idioma nos anos seguintes.

E a pergunta que mais me fazem: não, os daycares aqui não são gratuitos. E custam caro, bem caro. Nas cidades maiores você geralmente precisa se inscrever numa lista de espera. A diferença de preços impressiona. Em Toronto, por exemplo, já cheguei a pagar 1500 dólares mensais. Aqui em New Brunswick a creche da minha filha não passa de 700 dólares. Em função disso, muitos pais contam com o apoio dos avós até os cinco anos, quando então os pequenos podem iniciar a vida escolar gratuita.

Amendoim não entra

Minha primeira experiência foi na província de Ontário, onde morei logo que mudamos para o Canadá. Achei um Daycare bem interessante a uma quadra de casa. Ambiente acolhedor, colorido e professoras bem simpáticas. A primeira impressão convenceu. Tive uma conversa inicial com a diretora e recebi logo na chegada um manual com todas as orientações de horários, alimentação (que incluía orgânicos da horta da própria creche) e detalhes da rotina diária.

Todas as refeições das crianças eram preparadas no local, mas alguns pais sempre mandavam algum tipo de lanche. Por isso, fui alertada sobre a proibição total do envio de merenda contendo qualquer traço ou micropartícula de amendoim. Sim, canadenses são neuróticos com amendoim. Tudo aqui é “peanut free”. A situação é tão levada a sério que essa é a primeira coisa que avisam nas festas infantis.

No Daycare não é exigido uniforme das crianças. Me pediram apenas um cobertor para o soninho da tarde, um bicho de pelúcia para acalento nos momentos difíceis e uma cópia da tabela de vacinação e do passaporte. Tudo muito simples e objetivo, aliás como a maioria das coisas por aqui.

O primeiro dia de muitos

Lembro como se fosse hoje do primeiro dia de aula, era uma segunda-feira ensolarada de verão. Lá fomos nós caminhando e eu falando. Ele nem dialogava ativamente ainda. Mas isso não era problema. A ansiedade era tanta que falava pelos dois.

Seguindo o padrão normal esperado, houve muito choro e drama na despedida. E assim foi por mais ou menos uma semana. Eu não consegui relaxar nos primeiros dias. Os prazeres do tempo livre ainda não superavam a angústia de saber se ele havia comido direito, dormido a tarde ou estava conseguindo se comunicar em inglês com propriedade. Mas fui dura na queda. Confiei.

Tenho uma fotografia que retrata bem esse começo. Lá estou eu sentada numa cadeirinha de criança falando sobre as maravilhas que ele encontraria na creche. Ao lado, ele, incrédulo, estirado no meio da sala. Foi difícil, mas passou. Em poucas semanas ele nem me dava mais tchau. Corria pra sala feliz da vida.

Diferenças

Aqui não há luxo nem desperdício. Os canadenses são realmente práticos e funcionais, sem frescura alguma. Muitos brinquedos e atividades são feitos com materiais recicláveis e eles estimulam de fato os pequenos a interagirem desde cedo com a natureza e não ter medo do animais que nela habitam. Afinal de contas, como já escutei várias vezes, eles já estavam aqui muito antes de você chegar e derrubar a primeira árvore.

No verão, os pequenos saem para brincar protegidos de todas as maneiras contra o sol. A maioria das crianças tem pele e os olhos claros, imagine o estrago se não houver cuidado. Já no inverno, a neve não amedronta. Nos primeiros anos achava um exagero o tempo que ficavam expostos as baixas temperaturas com aquela ponta de nariz avermelhado. Mesmo a roupa térmica reforçada não me convencia. Mas com o tempo fui aprendendo que a neve tem muito mais a oferecer do que somente o frio.

Aqui a criança é diariamente estimulada a ter o controle das suas coisas e ser independente. Ela é responsável por guardar os seus brinquedos preferidos, colocar a roupa de neve no inverno e até ajudar na limpeza das salas após as refeições.

E o idioma? É uma torre de babel real. Lembro de meu filho cantando uma musiquinha em chinês. Aprendeu com o amiguinho da creche. Dois aninhos recém feitos e lá estava ele se esforçando com aquelas sílabas estranhas. Da sua parte, foi responsável por disseminar o Patati Patatá e a Galinha Pintadinha em toda sua plenitude. É uma troca permanente pra eles e surpreendente pra nós.

Obs:
– Só a título de curiosidade: No Canadá a licença maternidade pode se estender por um período de até um ano (52 semanas) e é possível dividir parte dela com o seu companheiro ou companheira. É uma das licenças mais longas do mundo, digna de um país que precisa povoar suas terras.

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